Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

26 de dezembro de 2017

Tânia Diniz, Reinos

​                     ​            Ter
                                       formas de maçã
                                   A surpresa
                                     de textura e cor
                                      da romã
                                      Do caju,
                                   sumarenta carnadura
                                      Da goiaba de vez,
                                    o frescor
                                     apetitosa e nua
                                     a fome acesa
                                   ver, talvez,
                                     o emergente calor
                                      da tua carne dura.


Tânia Diniz
Brasil, Belo Horizonte - MG

Tânia Diniz, Penélope

 Espero.
 Tal Penélope
  teço a teia
  de suspiro e saudade

  em ponto meia.
  Às noites de lua
  entremeio
  fios de paixão
  brilhos de prazer
  bordados em canção
  eu, toda nua,
  vestindo tua mão.
  Pronto o manto
  envolvo de encanto
  loucos sonhos na cama,

  a trama de quem ama.
  Tal Penélope
  na noite sem lua
  sem teus passos na rua
  desmancho, desfaço,
  meus pontos, teu laço.
  A solidão, não meço.
  Amanhã, recomeço.


Tânia Diniz
Brasil, Belo Horizonte - MG

Tânia Diniz, Luas

Na lua nova
         de recurvo brilho
         a paixão renovas

  No meu céu
      de cio crescente
     a chama alteia

             E serpente e sereia

             me encontro vindo:
                                            lua cheia

              E quando, bacante,
             mesmo minguante,
                me prendes a cintura
                          na quadratura de cada mês,
                                                a cada vez,

           desvendas com arte
          a sanguínea face
                    de minha lua escarlate.


Tânia Diniz
Brasil, Belo Horizonte - MG

12 de agosto de 2017

Oswaldo Montenegro, Metade

METADE

Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio;
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca;
Porque metade de mim é o que eu grito,
Mas a outra metade é silêncio...

Que a música que eu ouço ao longe
Seja linda, ainda que tristeza;
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante;
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade...

Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece
E nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa que resta
A um homem inundado de sentimentos;
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo...

Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço;
E que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada;
Porque metade de mim é o que penso
Mas a outra metade é um vulcão...

Que o medo da solidão se afaste
E que o convívio comigo mesmo
Se torne ao menos suportável;
Que o espelho reflita em meu rosto
Um doce sorriso que me lembro ter dado na infância;
Porque metade de mim é a lembrança do que fui,
A outra metade eu não sei...

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais;
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço...

Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer;
Porque metade de mim é plateia
E a outra metade é canção...

E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade... também.


Oswaldo Montenegro
Brasil, Rio de Janeiro 1956



18 de fevereiro de 2017

Pedro Chagas Freitas, Amo-te por culpa de quem…

Amo-te por culpa de quem me ama tanto, mas não és tu,
a maldade do mundo é haver tanta gente e só tu és tu,
e não perdoo a Deus ter criado milhões de possibilidades,
milhões de braços e de abraços,
tantos lábios afinal, e nenhum me dar o que tu me dás,
a crueldade do amor é tirar-nos a possibilidade de outro amor,
quantas vidas são necessárias para te encontrar outra vez?



Pedro Chagas Freitas
Portugal, Azurém-Guimarães 1979
in Prometo Perder
Editor: Marcador

photo by Google

Pedro Chagas Freitas, Preciso de Ti




O amor é bem capaz de ser a melhor maneira de nos encontrarmos connosco.
Preciso de ti para saber de mim.
Sei-o sempre que por minutos parece que vou perder-te, numa discussão das que vamos tendo. Discutir é abrir a válvula do amor, deixá-lo respirar, sangrá-lo para poder regressar à estrada. Nenhum amor aguenta sem sangrar.
Preciso de ti para pensar em mim.
Sei-o porque quando parece que vais eu vou também, deixo de saber quem sou, como sou. Para onde vou.
Preciso de ti para precisar de mim.
E os que não me entendem que vão para o raio que os parta. Os que dizem que isto não é nada recomendável, que isto não devia ser assim, que eu devia ser capaz de ser o que sou sem precisar de ti. Infelizes.
Preciso de ti para cuidar de mim.
O amor é bem capaz de ser precisar do outro para cuidarmos de nós.
E eu cuido-me. Quero estar viva para te poder amar. Conheces melhor motivo do que esse? É claro que amo os meus pais, a minha família toda, os meus gatos, aquilo que a vida me tem dado. Mas se quero estar viva é antes de mais nada porque é a vida que te traz até mim.
Mudei a vida toda para te dedicar a minha vida.
E sou feliz. E não deixo de ser a mesma mulher que sempre fui. Não deixo de ser a mulher com cabeça, com ideias. Não deixo de ser a mulher singular que se apaixonou por ti e que te apaixonou também.
Sou mais eu sempre que sou tua.
E sou sempre tua.
Amo o que me fizeste ser. O que me fazes ser. Amo a mulher em que contigo me tornei. Amo saber que tenho em mim o que te faz querer-me em ti. Somos os dois prisioneiros mais livres de todo o universo. Somos os dois escravos mais felizes da História da Humanidade.
Escraviza-me completamente e faz-te escravo de mim, ordeno-te.
Não seguimos os manuais. Os manuais que ensinam o amor em part-time, o amor saudavélzinho. O amor em doses. O amor dividido em rações. O amor como uma empresa. Que tristeza.

Consumimo-nos sem moderação porque se é moderado já não é amor.
Somos ridículos na maneira como nos amamos mas só quem nunca amou é ridículo.
O amor é bem capaz de ser a melhor maneira de ser ridículo. 



Pedro Chagas Freitas
Portugal, Azurém-Guimarães 1979
in “Queres Casar Comigo Todos os Dias, Bárbara?”
Editor: Marcador
photo by Google



Pedro Chagas Freitas, Prometo Falhar



























Prometo amar-te até ao limite, beijar-te até à última fronteira, correr quando bastava andar, saltar quando bastava correr, voar quando bastava saltar. Prometo abraçar-te com o interior dos ossos, percorrer-te a carne com a fome absoluta, e ir à procura do orgasmo todos os dias, a toda a hora, encontrar a felicidade no doce absurdo que nos soubermos destinar. Prometo falhar. Sem hesitar. Prometo ser humano, aqui e ali ser incoerente, aqui e ali dizer a palavra errada, a frase errada, até o texto errado, aqui e ali agir sem pensar, para que raios serve pensar quando te amo tão desalmadamente assim? Prometo compreender, prometo querer, prometo acreditar. Prometo insistir, prometo lutar, descobrir, aprender, ensinar. Tudo para te dizer que prometo falhar.
E Deus te livre de não me prometeres o mesmo.




Pedro Chagas Freitas
Portugal, Azurém-Guimarães 1979
in “Prometo Falhar”
Editor: Marcador

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