Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

20 de abril de 2016

Egipto: Ó flores de Mekhmekh, dai-nos a paz!


Ó flores de Mekhmekh, dai-nos a paz!
Por ti seguirei o que o coração ditar.

Quando me abraças
A luz que de ti vem brilha tanto
Que até preciso de bálsamo nos olhos.

Tendo a certeza que me amas
Aconchego-me junto a ti.

O meu coração está seguro de que entre todos
Os homens tu és o mais importante.

O mundo todo brilha
O meu desejo é podermos dormir juntos,
Como agora, até ao fim da eternidade.



Egipto 1567-1085 a.C.
Trad. Helder Moura Pereira
in Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro
Editor: Assirio & Alvim
photo by Google

São Paulo: Hino da primeira carta aos Coríntios



Se eu falasse as línguas dos homens e até as dos anjos, mas não  tivesse amor
seria bronze que soa  ou címbalo que tine.

Se tivesse o dom da profecia e conhecesse todos os mistérios e todos
 os saberes, se a minha fé fosse a ponto de mover montanhas, mas não
tivesse amor, eu nada seria.

Se  repartisse pelos pobres tudo quanto tenho, e meu corpo entregasse às labaredas 
mas não tivesse amor, nada ganharia.

O amor paciente, repleto de bondade, o amor que desconhece inveja e não ostenta orgulho,  o amor sem vaidade, que descura o próprio interesse,
e não se irrita e não suspeita mal, o amor que não colhe alegria da injustiça,
mas se alegra com  a verdade;
tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.

O amor jamais acabará:

há um tempo em que vacilam as profecias, as línguas emudecem e o saber desaparece 
porque só em parte conhecemos e só em parte profetizamos, mas quando chega a perfeição os limites apagam-se.

Quando eu era criança, falava como criança, sentia como criança, pensava
como criança:
quando me tornei homem abandonei as coisas de criança.

Agora vemos para um espelho, e de maneira obscura, o que depois
veremos face a face.

Agora conheço apenas uma parte, mas então conhecerei conforme
também sou conhecido.

Agora permanecem fé, esperança, amor, todos juntos.

Agora o maior de todos é o amor.




Cultura cristã
São Paulo séc. I
Trad. José Tolentino Mendonça
in Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro
Editor: Assirio & Alvim
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Indonésia: Canção


Aos milhares voam os pombos,
um apenas vem pousar na minha cerca.
- Eu queria morrer na ponta da tua unha,
queria ser enterrado na palma da tua mão.


Indonésia
Séc. XVII_XVIII
Trad. Herberto Helder
in Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro
Editor: Assirio & Alvim
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Tartária: Canção


O rosto da minha amada cobriu-se de sangue.
A cabeça do falcão cobriu-se de sangue.
Soprou o vento e desatou-se uma madeixa de cabelo -
uma madeixa o roçou, e o rosto cobriu-se de sangue.

Construí uma casa, e era tudo um sonho.
Uma casa contra o mundo.
- A ponta do meu bordão era tão frágil, tão frágil:
a noite - a nossa noite - era perigosa e alta.

Eu morro porque olhei sempre sempre o meu caminho.
Porque olhei para a direita e porque olhei para a esquerda.
Nem tu nem eu pelo tempo deixaremos
de olhar e olhar para o nosso caminho.

Transmudaram-se as águas em cavalos,
e das mãos nascia o vinho como dedos.
Bebi até ao fundo da minha dor,
e ela cresceu, cresceu, ainda mais forte que o vinho.


Tartária
Séc. XVII-XVIII
Trad. Herberto Helder
in Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro
Editor: Assirio & Alvim

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Reino Unido, Anónimo: Ausência, vamos! nunca esperes…


 Ausência, vamos! nunca esperes
desfazer este laço
pondo entre nós o espaço…
Podes teimar quando quiseres:
aos corações de boa liga,
A ausência os prende, o Tempo os liga

Dama tão nobre, quem-na alcança
tem logo a convicção
que o poder da afeição
vence a lonjura e a tardança.
Dois corações enamorados
juntinhos são, mesmo afastados…

E há lados bons em estar ausente
ao meu peito a prender,
sem ninguém mais a ver,
nalgum recôndito da mente…
Ali a abraço, ali a beijo,
          e em sonho iludo o meu desejo.



Anónimo
Reino Unido, Séc. XVI
Trad. Luiz Cardim
in Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro
Editor: Assirio & Alvim
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7 de abril de 2016

Li Zhi Yi: O Adivinho


Eu moro no princípio do Grande Rio,
Tu moras no fim do grande Rio.
Todos os dias penso em ti e não te vejo,
Bebemos ambos as águas do Grande Rio.

Quando esgotarão estas águas?
Quando acabarão estes remorsos?
Desejo apenas que o teu coração se assemelhe ao meu,
E certamente não se desiludirá a ânsia do amor.






Li Zhi Yi
China 1090
Trad. Li Ching
in Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro
Editor: Assirio & Alvim
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William Shakespeare: De ti me separei na Primavera

De ti me separei na Primavera:
quando o radioso Abril, ao sol voando,
em cor e luz, a plenas mãos, cantando,
nova alegria entorna pela esfera...

No viridente bosque até dissera
o pesado Saturno ver folgando...
Porém nem cor vistosa ou cheiro brando
lograram incender minha quimera.

A brancura dos lírios, não a vi...
O vermelhão das rosas, desmaiava...
Eram fantasmas só: ao pé de ti

─   o seu modelo - quanto lhes faltava!
 Par'cia inverno; e eu, a viva alfombra,
 só pude imaginá-la a tua sombra.



William Shakespeare
Reino Unido, 1564-1616
Trad. Luiz Cardim
in Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro
Editor: Assirio & Alvim
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