Esta é uma das cartas escritas por Mariana
Alcoforado ao seu grande amor:
“Ignoro
por que motivo te escrevo...
Vejo
que apenas terás dó de mim, e eu rejeito a tua compaixão, e nada quero dela;
Enfado-me
contra mim mesma, quando faço reflexão sobre tudo o que te sacrifiquei...
Perdi a
minha reputação; expus-me aos furores de meus pais e parentes, às severas
leis
deste Reino contra as
religiosas...
E à tua
ingratidão, que me parece a maior de todas as desgraças...Ainda assim eu
sinto
que os meus remorsos não são verdadeiros, e que do íntimo do meu coração
quisera
ter corrido muito maiores perigos por Amor de ti, e provo um
funesto
prazer de ter arriscado por ti vida e honra.
Tudo o
que me é mais precioso não devia eu entregá-lo à tua disposição?...
E não
devo eu ter muita satisfação de o ter empregado como fiz?...
Parece-me
até não estar contente, nem dás minhas mágoas, nem do excesso de meu Amor,
ainda
que, ai de mim! não
possa,
mal pecado, lisonjear-me de estar contente de ti...
Vivo, e
como desleal, faço tanto por conservar a vida, quanto perdê-la!...
Morro
de vergonha...
Acaso a
minha desesperação existe somente nas minhas ?...
Se eu
te amasse com aquele extremo que milhares de vezes te disse, não teria eu já de
longo
tempo cessado de viver?...
Enganei-te...
Tens
toda a razão de queixar-te de mim...
Ah !
por que não te queixas?...
Vi-te
partir; nenhumas esperanças posso ter de mais ver-te. e ainda respiro!...
É uma
traição...
Peço-te
dela perdão. Mas não mo concedas...
Trata-me
rigorosamente. Não julgues os meus sentimentos veementes...
cont.)
Sê mais
difícil de contentar...
Ordena-me
nas tuas cartas que morra de Amor por ti...
Oh!
conjuro-te de me dares esse auxílio para poder vencer a fraqueza do meu sexo,
e pôr
termo às minhas irresoluções,
por um
golpe de verdadeira desesperação. Um fim trágico obrigar-te-ia, sem dúvida,
a
pensar muitas vezes em mim...
A minha
memória te seria cara, e quiçá esta morte extraordinária te causaria uma
sensível comoção.
E a
morte não é porventura preferível ao estado a que me abaixaste?...
Adeus!
Muito quisera nunca haver posto os olhos em ti.
Ah!
sinto vivamente a falsidade deste sentimento, e conheço neste mesmo instante em
que te escrevo,
quanto
prefiro e prezo mais ser infeliz amando-te, do que não te haver jamais visto.
Cedo
sem murmurar à minha malfadada sorte, já que tu não quiseste torná-la melhor.
Adeus.
Promete-me
de conservar uma terna e maviosa saudade de mim, se eu falecer de dor; e assim
possa
ao menos a violência da minha paixão, inspirar-te desgosto e afastar-te de
tudo!
Esta
consolação me será suficiente, e, se é força que te abandone para sempre,
desejara muito
não
deixar-te a outra.
Dize,
não seria nímia crueldade a tua, se te servisses da minha desesperação para,
pareceres
mais
amável, mostrando que acendeste a maior paixão que houve no mundo?
Adeus
outra vez...
Escrevo-te
cartas excessivamente longas, o que é uma falta de consideração para ti:
peço-te mil perdões,
e
atrevo-me a esperar que terás alguma indulgência para com uma pobre insensata,
que o não era,
como tu
bem sabes, antes de amarte.
Adeus.
Parece-me
que demasiadas vezes me dilato em falar do estado insuportável em que estou.
Contudo
agradeço-te, do íntimo do meu coração, a desesperação que me causas, e aborreço
o sossego
em que
vivi antes de conhecer-te...
Adeus.
A minha
paixão cresce a cada momento.
Ah!
quantas cousas tinha ainda para dizer-te!...
Soror Mariana Alcoforado
(Portugal 1640-1723)
in Cartas Portuguesas
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